Todos os pianos são mudos até serem tocados.
Como um corpo, o da direita sente as cordas vibrarem de horror quando o humano toca as teclas claro-escuro do piano do Oeste. Diria antes, faroeste porque aquela harmonia completamente desafinada soava a um acordeão irlandês tocado por um músico no Texas a tomar uísque escocês. Arrgh, arde na garganta! O próprio piano do Oeste compreende o desespero do outro, porque são as suas cordas, porra, que estão a ser puxadas até à exaustão por estes dedos humanos sem ouvido para a música. Pára imediatamente!, gritam as cordas do Oeste, sopradas com os ventos atlânticos, quando os dedos tocam a escala superior. O da direita suspira de alívio, mas por pouco tempo, porque sente os passos, e atrás dos passos vêm as mãos, os dedos, as unhas do humano tocarem as suas teclas intactas. O do Este ainda sente o frio da geada desta manhã, mas as mãos do homem estão quentes e ele treme de desgosto ao sentir aquela mão papuda, redonda, pesada, grossa e peluda a tocar as suas delicadas brancas e pretas. Os dois pianos, assim violados pela mão humana, fecham os olhos lentamente na esperança do resgate do momento anterior, quando não havia homens, e quando estavam simplesmente (já ninguém usa mais o verbo estar; estar estando), à espera da chuva, em frente a uma garagem fechada, no meio do nada. Tenho testemunhas.
Estes dois pianos não sentem falta do humano que ali os deixou, abandonados à sorte dos carros do lixo da Câmara, dos bombeiros ou da caridade. Não sabem para onde irão, provavelmente não sabem de onde vêm, não sabem voltar, não são como os gatos que sempre encontram o seu caminho de volta.
DESAPARECERAM
Dois pianos, de madeira castanha, um pouco velhos mas muito queridos.
Costumavam estar em frente àquela garagem. Agradece-se a alguém que os veja, por favor contacte
Verónica
Como um corpo, o da direita sente as cordas vibrarem de horror quando o humano toca as teclas claro-escuro do piano do Oeste. Diria antes, faroeste porque aquela harmonia completamente desafinada soava a um acordeão irlandês tocado por um músico no Texas a tomar uísque escocês. Arrgh, arde na garganta! O próprio piano do Oeste compreende o desespero do outro, porque são as suas cordas, porra, que estão a ser puxadas até à exaustão por estes dedos humanos sem ouvido para a música. Pára imediatamente!, gritam as cordas do Oeste, sopradas com os ventos atlânticos, quando os dedos tocam a escala superior. O da direita suspira de alívio, mas por pouco tempo, porque sente os passos, e atrás dos passos vêm as mãos, os dedos, as unhas do humano tocarem as suas teclas intactas. O do Este ainda sente o frio da geada desta manhã, mas as mãos do homem estão quentes e ele treme de desgosto ao sentir aquela mão papuda, redonda, pesada, grossa e peluda a tocar as suas delicadas brancas e pretas. Os dois pianos, assim violados pela mão humana, fecham os olhos lentamente na esperança do resgate do momento anterior, quando não havia homens, e quando estavam simplesmente (já ninguém usa mais o verbo estar; estar estando), à espera da chuva, em frente a uma garagem fechada, no meio do nada. Tenho testemunhas.
Estes dois pianos não sentem falta do humano que ali os deixou, abandonados à sorte dos carros do lixo da Câmara, dos bombeiros ou da caridade. Não sabem para onde irão, provavelmente não sabem de onde vêm, não sabem voltar, não são como os gatos que sempre encontram o seu caminho de volta.
DESAPARECERAM
Dois pianos, de madeira castanha, um pouco velhos mas muito queridos.
Costumavam estar em frente àquela garagem. Agradece-se a alguém que os veja, por favor contacte
Verónica
Maria David
Liverpool, 24 de Abril, 2008
Liverpool, 24 de Abril, 2008
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