quinta-feira, abril 09, 2009

# Mais braço, menos braço - 4 #

O envelope com o meu nome foi atirado para cima da secretária às 16h37. Estava a escrever uma notícia importante, mas o choque foi tão violento (e tão físico, como num acidente de automóvel em excesso de velocidade) que nunca mais soube dizer qual era o assunto. Antes das 16h37 a Valéria ainda podia estar viva. Depois das 16h37 a Valéria está morta. Por partes: os braços num viaduto da grande circular que esgana a cidade, a cabeça em cima de uma árvore, o corpo no meio da vegetação que um dia vai arder, porque aqui nada sobrevive ao Verão para contar como foi. Pediram-me primeiro uma notícia, depois um obituário, acabei a ditar estas linhas pelo telefone, acho que são mil caracteres, depois de ligar à polícia a pedir-lhe para por favor tomar conta desta ocorrência, porque eu já não consigo tomar conta de nada, nem sequer do número de caracteres do layout da página 5. Amanhã a primeira página do jornal vai dizer que a Valéria foi assassinada por um animal com uma máquina fotográfica.  Acabei por não escrever nada na página 5 a não ser isto: nas minhas notícias, em todas as notícias que escrevi sobre a Valéria (porque a Valéria era uma das últimas actrizes sobre as quais valia a pena escrever, e no fim eu dava cinco estrelas ao filme, todas para ela, e não fazia mais do que a minha obrigação), ela ainda estava viva. É verdade que morreu, mas isso foi nas notícias dos outros.




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