sexta-feira, julho 09, 2010
# Comer Lixo #
Pára! Põe a máquina dos sentidos. Engrena-a. Liga-a. Upload. Ouves o chiar intermitente que passa na avenida? As mãos dele agarradas ao ferro quente da carroça rola-asfalto, já com quilos de papelão à luz do pôr-do-sol? Vês aqueles músculos invejáveis do dorso nu, queimado de poluição, raios UV, e tempo? Costuma molhar esses caixotes amassados para ganhar mais dinheiro, quando o vende para reciclar. Ficam mais pesados, nunca tanto quanto os seus olhos olheirentos, sulcados de noites em vigília de fome e medo. Quantos quilos de arroz pode pagar um quilo de papelão?
E, agora, sentes este cheiro azedo a esgoto? Vês os pés descalços que mal começaram a calejar vida já esfoliados dos passeios onde comem o que lhes dão? (Se lhes dão. Será que querem? Haverá vergonha? Qual é a intensidade da vergonha do despojamento forçado?, conta-me máquina).
Próximo nível: vejo bidões de fragmentos de nós. Quanto pesa a ostenção? Vejo eco-pontos do que resta. Gente sempre apressada, a rotação-formiga. Restos, só restos. Vês a explosão, as cores garridas, a sofreguidão, a vertigem, o ar-falta-ar, os ponteiros e rotação, a terra em transe? Arde-arde. O desvario. Há restos, tantos restos. Fragmentos de nós. O cheiro, a cidade, o ar. Os pedaços de nós. Delete: erro no sistema. Informamos que atingiu a dimensão do real. Este nível não pode apagar.
Vanessa Rodrigues
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