Shopping Cidade Do Porto, com participação de Valter Hugo Mãe.
Ensaio fotográfico para blog de Paulo Pimenta
Excerto do novo romance
No
estabelecimento prisional é que se está bem, livre de aborrecimentos e sem mais
inquietações do que aquelas que, às vezes, irrompem de um pesadelo ruim. Sonho,
entre outras coisas, que me libertam e que, mais um entre a crescente multidão
de desgraçados, erro pela cidade abrindo caixotes do lixo à procura de alguma
coisa que se coma; que durmo dentro de um caixote de cartão, abrigado da chuva
na sacada de uma loja à espera de trespasse. Também sonho, de vez em quando,
que se junta a mim um gato branco que é o exacto oposto daquela gata preta que
em tempos me esperava na porta do prédio e que se fez minha amiga. Em vez de me
acompanhar desinteressadamente, o gato branco persegue-me e morde-me a barriga
das pernas, arranha-me com as unhas para que lhe dê as porcarias comestíveis
que encontro nos contentores do lixo comum. É um bicho vil e maligno,
oportunista, e nunca faz xixi ou cocó na porta dos bancos e das repartições
públicas — caga e mija em cima de mim enquanto durmo. Acordo por isso muito
ansioso e assustado, mesmo quando estou consciente de que se trata de um
pesadelo e de que não existe nenhum gato tão branco e tão malévolo como o que
tem surgido nos meus sonhos, e muito menos aqui na prisão, onde o único
aborrecimento real é o modo que alguns detidos têm de olhar fixamente para mim,
vigiando-me como se fossem fiscais das finanças e eu me tivesse esquecido de
pedir a factura do café.
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