Com texto de Nuno F.Santos
Fotos:Paulo Pimenta
DEMORA
Demora... está a demorar mais dias do que eu pensava. Não posso contar com o ovo no cu da galinha. O pão, o sabão para a roupa, o atum e o peixe vermelho. Demora, mas há-de vir que o homem nunca me falhou. Estará doente? O barulho da motorizada ao longe. As portas de chapa a bater sem ser com o vento. Alguém entra na calçada de cimento mas não a mora, sente-se a ânsia. É para contar a luz, afinal.
Havia um tempo, ainda há um tempo, em que as boas notícias chegam pelas mãos dos outros, como se pousassem curvadas ao nível da boca, não deixando perder água da corrente, fresca e pronta a beber, mais pura do que a engarrafada. As mãos dos outros ainda têm notícias e letras.
Ao meio dia dos meus 14 anos chegava-me a carta de Santiago do Cacém e a letra com os nomes de cada um a fazer desenho tombado para a direita. Atrasava-se sempre menos do que a conta do telefone e os passos eram felizes.
Não é só a manifestação para deixar o posto dos correios na vila ou às portas da cidade, pois que meu tio tem dúvidas sem as lentes progressivas e com a progressão patética dos termos com que se atribuem direitos ou deveres.
E a reforma da Ti 'São, terá chegado ela ao bairro por conta da reposição dos duodécimos ou o sistema central tem falhas a dar pela televisão na última hora?
Quando um carteiro adoece outro o cobre, devagar, mais devagar a olhar os números dos lugares. Abrir do lado de cá, com uma chave, um mundo que só aquela caixa encerra... quem sabe o pai dos meus filhos, porque as notícias más correm depressa de mais e as boas entram lentamente, devagar.
Devagar, a palavra mais delicada e repetida.
Não me matem a velocidade a entrar pela fresta.
Demora... está a demorar mais do que eu pensava. Haverá ainda quem me escreva... ou as palavras estão em vias de extinção?
quinta-feira, fevereiro 15, 2018
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