








Suor, areia e dor
Não é Lisboa que amanhece, como no bem conhecido tema de Sérgio Godinho. É, antes, o Mindelo, em Cabo Verde. E anoitece. Diante do mar da Laginha, em plena baía da morna ilha de S. Vicente, o culto do corpo não difere muito do que se pratica em outras latitudes. A religião é a mesma e, se novidade existe, ela reside apenas no templo onde os fiéis exercitam os rituais da sua fé. Em vez das salas fechadas de um ginásio, o ar limpo e largo de uma praia. Em vez de confortáveis aparelhos – almofadados, cromados, impecavelmente oleados –, autênticas esculturas de ferro e maresia erigidas ao improviso e à imaginação de um povo que, embora pobre, não deixa de cuidar do próprio corpo. Bíceps, tríceps, abdominais, glúteos, deltóides, trapézios, peitorais, adutores, gémeos, extensores e rectos, nenhum músculo escapa ao afã da vaidade. Suor, areia e dor – eis a dieta que os fiéis se impõem, rigorosa como uma lei inescapável. E um e dois, e um e dois. Só de olhar já se sente a fadiga, o esforço. No fim do dia, quando, enfim, a noite cai, os corpos, como na tal canção, hão-de ir cansados para casa.
Jorge Marmelo