sexta-feira, novembro 28, 2008

# LOUCOS E COBARDES... #



“O mundo da guerra, e qualquer mundo de violência totalitária é , em si, louco,e nele a sanidade torna-se uma manifestação de loucura ou de maldade.Qer o cenário seja o cockpit de um bombardeiro ou um «tribunal do povo» exercendo a mais reaccionária ou a mais revolucionária das justiças, os valores humanos e as leis da comunicação são invertidos, a cegueira da confusão recai tanto sobre as vítimas como sobre os carrascos.”

A REALIDADE É REAL?
PAUL WATZLAWICK

















terça-feira, novembro 25, 2008

# É PRECISO SONHAR ACORDADO #







HOTEL PROBLEMSKI
“Bipul Masli é um fotógrafo da Somália que se encontra detido num Centro de Apoio para Refugiados na Bélgica.Com um espiríto mordaz e corrosivo, relata o quotidiano do centro: homens e mulheres oriundas dos países mais pobres e mais conflituosos do mundo, forçados a conviver enquanto aguardam por um visto que nunca chega que lhes abra as portas para uma vida hipoteticamente melhor.”

“Aliás, não foi preciso esperar muito antes de ver a minha convicção provada: o meu pai nem sequer tinha acabado a sua primeira garrafa quando rebentaram tiros n´«A Tarde Regada”. Os rebeldes, nestes dias ainda na sua fase inicial.Não sei o que me deu, e era tudo demasiado confuso para considerar a minha memória uma fonte fidedigna, mas não acredito que me tenha deitado ao chão. Fiquei em pé e fotografei:a minha irmã mais velha no segundo em que apanhou com uma bala no meio da testa.Não se podia chamar-lhe um acto consciente,simplesmente fi-lo.Tento vê-lo como o instinto do fotógrafo,tal como faço.”

“Havia 14 mortos , e um deles era a minha irmã mais velha.Um homem salpicado de porcaria veio em minha direcção,apresentou-se como jornalista e perguntou se tinha mesmo tirado fotografias.”Sim,” respondi (ou apenas anuí com a cabeça?),

“No dia seguinte, a minha fotografia estava no jornal, na primeira página.Foto:Bipul Masli.É o que dizia.Com o c de copyright à frente.
Aí, ai é que começou a minha vida como repórter fotográfico. Com uma fotografia demasiado pequena, tirada com uma obturação demasidamente lenta e sobexposta.”
Pag.21 e 22

“Se Deus escolheu como modelo para o nosso planeta o seu Parque de Diversões Perpétuas, então podemos apostar a nossa vida em como a burocracia na vida eterna será uma confusão dos diabos.Quantos documentos terei de preencher aí, quanto carimbos terei de arranjar além e quantas comissões irão ter de entornar café sobre o meu processo antes de me ser atribuído um quartinho minúsculo que em seguida terei de partilhar com um anjo que fala apenas russo.Quero dizer, já passei por isso,foi bom,obrigado, adeus.”
Pag70 e 71

A pedido da revista flamenga “Deus ex Machina”.Dimitri Verhulst deixou-se internar durante alguns dias no Centro de Acolhimento de Arendonk.O resultado foi uma reportagem para a revista, mas o que ali tinha visto não o abandonava: as pessoas cujo dias e sonhos são embebidos pelos horrores do que passaram; as tensões entre os vários grupos éticos,as condições humilhastes no centro, os contactos com traficantes de homens e as tentativas de fuga desesperadas – por vezes em contentores de carga onde a falta de oxigénio leva à morte.

Hotel Problemski
DIMITRI VERHULST
Prefácio de
ANTÓNIO GUTERRES
Mercado de Letras Editores

sexta-feira, novembro 21, 2008

quarta-feira, novembro 12, 2008

#Série 8 Como um bicho #

Pernas apertadas, a sentir a circulação subir cada vez mais devagar pelas veias acima, rumo à trombose. Os pés inchando como as esponjas do banho deixadas no canto da banheira onde o bolor se constrói em sólidas camadas, apesar da nova escova que o reclame dizia apagar tudo. Inchando como barrigas de obstipação, ou como o lábio esquerdo fendido pelo machado do punho após a porrada da última noite.
- Estes lugares não foram feitos para pessoas do meu tamanho. Já viu as minhas pernas? Como é que vou aguentar oito horas aqui. […] Claro que pedi! […] Não consegui, já estava tudo cheio, e eu vim fazer o check-in com três horas de antecedência […] Não somos obrigados a fazer na Internet, ou somos? Desde quando é que eles nos obrigam? [silêncio, seguido de um fundo suspiro] Pedi, pedi, um daqueles lugares de corredor, sabe, aqueles em que dá para esticar as pernas, antes da primeira classe […] EU SEI que agora se distingue entre “business” e “premier”, esses sacanas, à medida que a sociedade se estratifica, mais estratificados ficam os lugares no avião. O que acha desta sensação de estar aqui no fundo do convés qual escumalha de irlandeses no Titanic? […]Aquela gentalha a esticar as pernas e a beber martinis e o meu auscultador que não funciona, estou aqui dentro oito horas e não consigo ouvir o filme! Onde é que isto já se viu? […] Não me diga que todos estamos aqui, os outros não me interessam […]NÃO estou zangado! […] Cale-se, por favor, que eu fico FORA de mim! [ouve-se o ruído do indicador de luz que chama a hospedeira, talvez um dos poucos signos em que uma luz é o equivalente a um sinal sonoro]
Se nos sentamos à janela porque temos a certeza de que é hoje que vamos conseguir dormir, os olhos ficam especados a ver nuvens fazendo cócegas ao avião, o trânsito de pássaros cruzando-se connosco noutras paralelas auto-estradas da aviação. A comida vem, a comida vai, e não conseguimos dormir. Talvez veja um filme, jogue solitário, leia um romance, duas páginas, não me dá sono. Por que raio não trouxe o comprimido? O ecrã do mapa diz que faltam sete horas e quarenta e dois para o destino. No destino são uma da madrugada. Agora já estamos a sete mil metros de altitude. Oh, Miami e Santo Domingo parecem tão perto de Boston. O oceano é mesmo enorme e azul, na imagem, o azul da costa é diferente do azul profundo do mar-do-meio, não se vê a terra do outro lado, e ainda agora deixámos a Irlanda para trás. Já só faltam sete horas e quarenta e um minutos. Talvez vá à casa de banho, espreguiçar-me. O problema de ficar à janela e não dormir é o vizinho do lado que, apesar das pernas compridas, tomou um comprimido e aterrou antes do avião. Vou ter de passar por cima.
- Tomo este comprimido milagroso, e durmo a viagem toda. Não compreendo como consegues NÃO dormir. […] Tens medo? Medo de quê? […] Queres?
Se nos sentamos na coxia é porque temos a certeza de que hoje não vamos dormir, e então podemos levantarmo-nos, andar no corredor, esticar as pernas, cochilar para o lado vazio. Um lugar de coxia é como viver na última casa da rua, no último piso do prédio: podemos fazer festas ruidosas que só incomodamos um vizinho. Se nos sentamos na coxia porque temos a certeza de que hoje não vamos dormir é porque o corpo já se habituou ao lento ronronar do avião, a comida vai, a comida vem, e depois de um copo de vinho (nesta companhia não temos de pagar pelo álcool), duas páginas daquele romance chato sobre o arquipélago no Atlântico onde o cacau era a moeda de troca do trabalho escravo, a Alcatraz de Angola, a cabeça recosta-se, encosta-se, enrosca-se, a mantinha cheia de electricidade estática já se habituou à seda do lenço, a almofada dobrada vale por duas, e o vizinho, logo agora que os olhos começaram a pesar, quer ir à casa de banho, ou falar com o amigo ao lado de quem não conseguiu um lugar.









- No princípio, não conseguia dormir. Voava três, quatro vezes por mês e o meu corpo… [longo silêncio] tinha de estar em reuniões duas horas depois de aterrar, tomava um duche no aeroporto, mas a minha cabeça estava literalmente a jantar ou a preparar-se para dormir, entende? [aceno de compreensão] Eles dizem […] Eles, sabe, os especialistas no jetlag, fazem estudos e tudo isso. […] Eles dizem que devemos tentar habituar o corpo ao horário do país de destino uns dias antes, mas como é possível, se estamos com a cabeça no país de partida? […] Quando chego, tento dormir só nas horas certas. Na primeira vez que voei treze horas para Este, ao fim de três dias, tentando habituar-me aos horários normais, o corpo sentiu um cansaço tão, tão profundo… não consigo explicar-lhe, como se a minha cabeça quisesse estar num sítio e o meu corpo noutro, as pernas não iam, mesmo quando lhes gritava que fossem, os olhos desciam mesmo quando palitos imaginários os seguravam para permanecerem abertos, no escritório. Acordava às quatro da manhã como se tivesse dormido dois dias seguidos, olhava o tecto à espera de um sinal, e o corpo não respondia a absolutamente nenhuma das minhas ordens. […] Como me curei? Passei a tomar estes comprimidos excelentes que um amigo em Xangai me recomendou. […] Não sei bem o que contêm, mas creio que é uma mistura de ervas chinesas, muito eficaz. Quer experimentar?
As narinas começam a solidificar, primeiro junto à cana do nariz, depois mais perto da abertura, até que nem os dedos afiados, a tentar arranjar espaço para a entrada de ar, servem. Os olhos perdem humidade















- Trago sempre estas cápsulas de lágrima artificial comigo […] Quer?
a pele das mãos e dos braços estala como a superfície do deserto quando o sol bate sem misericórdia, ou como a máscara hidratante de lama quebrada por um sorriso forçado após os dez minutos de tempo regulamentar, imediatamente antes da recomendação para “lavar abundantemente com água morna”
- Sabia que se voarmos sempre para Oeste rejuvenescemos e se voarmos sempre para Este perdemos horas de vida? […] Trago comigo sempre este creme que as modelos usam! Foi uma amiga modelo que mo recomendou. Pode usar nos lábios, nas mãos e na cara, é totalmente regenerador. Ora experimente! Não é maravilhoso?
a casa de banho de cheiro intrínseco e dois por dois não tem papel higiénico ao fim de seis horas. E ainda faltam mais duas para começarmos a descer
- A minha técnica são as toalhitas de bebé: hidratam e também se usam na casa de banho. Quando andamos em viagem, nunca se sabe com que casas de banho nos vamos deparar, não é?
os ouvidos estalam no preciso momento em que nos sentíamos já embalados pela lenta turbulência, o trepidar sambista do avião, uma espécie de gingado de ancas que só se sente após a passagem das asas. Atrás de tudo. O homem das pernas compridas tinha razão em dizer que ali é como o convés de um navio. Certamente que os “premier”, os primeiros a entrar e os primeiros a sair, são os últimos a sentir tudo.
- Não usa chicletes? Eu não consigo nem levantar nem aterrar sem chicletes. São a minha salvação! Sabia que o aeroporto de Dublin é chiclete “free”? […] O que quer dizer? Ora, que não vendem chicletes, são contra, não vendem! Não acha um horror? Pergunto-me como os irlandeses voam, se não têm chicletes. […] Engolem saliva?
Assim se propagam preconceitos históricos: os irlandeses que no convés do Titanic foram os primeiros a afundar-se; os irlandeses que não mascam pastilha elástica engolem saliva para os ouvidos não estalarem. Tendo a certeza de que os irlandeses adoram ser reduzidos a um bom estereótipo, o avião tornou-se o espaço para todos os desabafos- Costumo vir várias vezes. Sabe como é, os preços dos combustíveis não nos deixam vir tantas quanto gostaríamos. […] Mangas. Sim, mangas. Compro-as e depois congelo-as




























durante uma semana, para assim durarem mais tempo e eu não ter de vir tantas vezes. […] Sabe como é, a família, a família [suspiro, seguido de silêncio] este país é muito tentador. […] A família em primeiro lugar, claro! Mas este país é um delírio para os sentidos. […] Não digo sempre, mas já aconteceu, sim. É mais quando venho com o grupo. Sabe como é, o grupo, os homens em grupo, e este país [novo suspiro], sim a culpa é do país, não é nossa. Este país que nos tenta! […] Sim, os colegas do negócio da fruta. […] Abacates também, mas a durabilidade é muito menor, no caso dos abacates. Não dão lucro se não forem vendidos rapidamente. Ou então, congelam-se durante mais tempo.
O homem não sabe que, além da banana preta que está há uma semana no frigorífico, não há nada pior do que um abacate descongelado: é o que o frigorífico faz à fruta, transforma-a em bicho, pretos por dentro, verdes por fora, moles, insípidos, decompostos, como homens em grupo que viajam para comprar mangas como pretexto para trepar sem camisinha em protesto contra o bloqueio a Cuba (diz o Caetano, não digo eu)
- Sim, sim, à Tailândia, também, mas até agora […] Digo-lhe, sem dúvida, Varadero é bem melhor, apesar dos preços, está caríssimo […] A família e os amigos agradecem as garrafas de rum mais baratas do que no Continente. E os habanos, claro está! Oh, sim, as habanas também, se é que me entende!
Este é o verdadeiro espaço do vazio onde toda nossa identidade construída se desvanece enquanto apertamos o cinto de segurança e a senhora nos ensina que o colete salva-vidas tem uma luz que brilha à noite, no mar. As imagens no panfleto mostram o aparelho em possíveis aterragens de emergência, na terra e no mar. As mangueiras que se soltam das portas que se abrem como comboios em andamento não são árvores de fruto, apesar de amarelas. Livre-se das jóias, os sapatos têm de ficar para trás. Siga as setas. Imaginarmo-nos aterrar no mar é um desejo sempre latente quando a senhora explica que com aquela luzinha, sem sinal sonoro, alguém nos poderá localizar, com certeza verá algo luzindo no breu da água da noite, antes das vagas, a hipotermia, e os tubarões levados para norte pelo aquecimento global dos oceanos nos comerem os ossos.
Filas de dez lugares, mais de trezentas pessoas enfiadas, enlatadas, entaladas, encurraladas, como bichos, oito, dez, doze horas, sem espaço, expondo as suas mais íntimas fragilidades, onde quem somos enquanto cidadãos deixa de fazer sentido. O ressonar óbvio do homem ao nosso lado, o movimento dos joelhos da senhora atrás de nós que visivelmente não cabe no lugar, as crianças a correr no corredor quando estamos todos quase-quase-quase a dormir, o gritar insistente do bebé que não entende a pressão da descida nos ouvidos, a mãe preocupada a pedir desculpa, tentando, pela linguagem das mães, dizer ao filho que engula saliva, engula, engula, mas ele não sabe ainda.
É ali que somos quem pensámos que nunca nos poderíamos tornar, em que falar com o vizinho do lado pode ser a salvação para horas de terror atravessado por um cinto de segurança azul, mas também em que é o vizinho do lado que pode determinar o terror de ter de ouvir, depois da chiclete, do comprimido, da pílula do jetlag, do creme hidratante regenerador, de uma enorme caixa de mangas para abafar o peso na consciência, a mais horrenda de todas as perguntas:
- Quer o meu pão?O corpo, perdão, a cabeça, diz que não porque isto são apenas horas contadas, pelos dedos, pelo relógio decrescente no ecrã do mapa (faltam duas horas e treze minutos para o destino; no destino, são seis horas da manhã; na origem, são dez horas da noite; estamos a voar a onze mil e quatrocentos e noventa metros de altitude, qualquer como a













































como a onze quilómetros do chão, a novecentos quilómetros por hora; Pequim é tão perto de Sidney no mapa, mas tão longe de Londres; olha, afinal estamos perto do Japão), não queremos o pão, não.
Mas a cabeça, perdão, o corpo, diz secretamente que sim, isto são horas contadas, mas: e se aterramos de emergência no mar? Dá sempre jeito um pão a mais, para o caso, só para o caso de precisarmos. Mesmo que se transforme em pedra pomes, duro e com buracos, após duas horas de exposição à falta de piedade do ar condicionado. Sim, um pão pode ser a nossa salvação se por qualquer eventualidade tivermos de permanecer naquele espaço por horas não estabelecidas previamente no ecrã do mapa, porque, no mapa, são só quatro dedos entre Filadélfia e São Francisco, quando, na realidade, eles podem decidir quem fica sentado em primeira, em business, em turismo, ou lazer, sobre as asas, no corredor, na coxia, no meio do meio, por cima do mar azul.
Podemos comer o pão, mesmo duro, tal como podemos comer o pão já amolecido pela água salgada. Podemos vender o pão ou trocar o pão por um creme regenerador, uma pílula suicida, umas meias de descanso, ou aquelas almofadinhas em que se encaixa o pescoço e que se enchem como as piscinas de plástico. As almofadinhas podem ser utilizadas como bóias, uma vez que acabamos de trocar o nosso colete salva-vidas pela garrafa de uísque que um dos passageiros premier pagou com o desconto duty-free.
Tu, que compraste um bilhete de avião para Paris e, aterrorizado no dia do voo, voaste para Santa Apolónia para embarcar no Sud-Express, disseste-me: voa o mundo todo e depois volta para me contares com foi. Foi assim, os nossos maiores terrores tão cuidadosamente escondidos em anos de convivência social a boiar ali, à superfície, o medo de não voltar a ver ninguém porque podemos ir calhar a um qualquer outro espaço, ter de partilhar o ar com pessoas contingentemente colocadas a teu lado, como num teste de personalidade, com quem tens de falar e não sabes muito bem como nem porquê, principalmente, no período de turbulência em que é necessário aliviar a pressão de fatalismos inusitados, e as hospedeiras de saltos com lencinho ao pescoço vêm responder à luzinha de sinal sonoro com um copo de água na mão. A elas não lhes incham as pernas. Talvez tenham o comprimido milagroso, dormir de olhos abertos e acordar, cinco mil quilómetros depois, num país tropical.

Maria David
New Haven, 8 de Outubro 2008

terça-feira, novembro 04, 2008

# A ANSIEDADE #






Uma vez perguntaram ao BUDA:«O que é que mais o supreende na Humanidade?»


«Os homens que perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde.


Por pensar ansiosamente no futuro,esquecem o presente de tal forma que acabam por nem viver no presente nem no futuro.


Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido».

segunda-feira, novembro 03, 2008