segunda-feira, dezembro 24, 2007

# ESTAREMOS SEMPRE CONTIGO #











05_12_1935 17_12_2007
Um Grande Beijinho de Saudades




sexta-feira, dezembro 07, 2007

# Nouvelle Vague no Sá da Bandeira #











Cruzam olhares sublimes entre gestos coreografados. No mesmo palco, rebeldia e fragilidade, encarnadas em Phoebe Killdeer e Mélanie Pain. Ainda inocentes, de collants e sabrinas brilhantes, pisam o palco do Sá da Bandeira. A dança é ténue, aos acordes de Killing Moon. Ao primeiro “merci”, sente-se a timidez que esconde a irreverência das meninas dos Nouvelle Vague. Mudam as luzes, os lábios vermelhos de Phoebe, segredam ao microfone: “Enough serious stuff...Cheers! Cheers, everybody!”. Brinda-se ao som de Too Drunk to fuck – nem a cambalear falta sensualidade. Os corpos tornam-se atrevidos, a loucura é contagiante e momentânea, soa perfeitamente a embriaguez.
Conhecem-se as letras, recriam-se os clássicos. Pensar que o tempo é efémero? Isso não parece ser problema para os franceses Nouvelle Vague, que tal como o movimento artístico do cinema francês dos 70´s, retiram à música qualquer intransigência. Acrescentam-lhe sempre mais, algo que oscila entre o ecléctico e o exótico, quando aferrado pela voz da menina de pernas de bailarina, que faz lembrar a extravagância de Nina Hagen. Canta Guns of Brixton: os movimentos são intensos.
Phoebe Killder provoca e hipnotiza, espalha charme com a voz. Ri-se, quer mais, falta criar a ambiência porque deseja a luz perfeita. É então que pede: “red lights, please”. Vontade seja feita. Phoebe agradece com um “obrigado” afrancesado, ansiosa por mais um surto de loucura. Os ânimos suavizam, a plateia fica imóvel. Assim que, a boneca de gestos delicados e voz doce trauteia “When routine bites hard and ambitions are low” - é impossível não ficar rendido ao Love will there us apart dos Joy Division, apropriado por Mélanie. A ternura continua, In a manner of speaking, ressoa veludo, é impossível ficar indiferente ao cover de moldes acústicos dos Tuxedomoon.
Encheram a sala e espalharam, por duas horas, cor e estilos mesclados. Trouxeram consigo Gerald Toto, a voz doce e felina, que ajudou a seduzir na noite que envolveu o teatro Sá da Bandeira de mística. O concerto de dia 7, na Aula Magna vai ficar na memória, foi a escolha da banda para gravar o primeiro disco ao vivo. O rendez-vous foi em três concertos: Porto, Lisboa, Guimarães. Para quem foi, dispensam-se mais apresentações, a lotação ficou esgotada, os rostos contentes à saída subscrevem a despedida de Mélanie: “Nous sommes Nouvelle Vague, pour vous”
Marília Moura

quinta-feira, dezembro 06, 2007

# PETER MURPHY EM GAIA #

O ex-vocalista dos Bauhaus, Peter Murphy , deu concerto único no Pavilhão Municipal de Gaia no dia 30 Novembro 2007







sexta-feira, novembro 30, 2007

# SÉRIE II çedilhas #

Há milhões de possibilidades que se abrem (ou se aniquilam) quando faltam çecilhas (não é erro, é mesmo assim). As palavras têm novos sons, ritmos que não tínhamos imaginado; têm ainda conotações que não lhes tínhamos dado, mas, sobretudo, têm a graça ou tremenda infelicidade de insignificarem, senão para aquele que conhece o código da ausência da cedilha. Aquele sabe como esse novo código muda tudo.
Sobretudo quando ela disse
Nao facas isso.
Assim, sem acentuação, parece que as palavras se suspendem desamparadas da mulher, enforcadas em cordas presas aos galhos secos do sobreiro (quase) doente. Não havia ponta de humidade, não havia uma folha verde, um laivo de seiva – este ano foi de chuva escassa. Assim, dependuradas de um sobreiro, as palavras, que o galho quase a quebrar aguenta, parecem frágeis seres. Ironicamente, é o ser que falta no som dessas facas espetadas no coração das palavras.

Porto, 29 Novembro 2007


























Não faço o quê?
Aqui havia pergunta, havia acentos. Havia a possibilidade de olhos esbugalhados, rugas na testa vincadas sem permanente, a boca ligeiramente entreaberta, de surpresa e estupefacção. Havia ponto de interrogação no final, e o ê em cima da letra, que contrai o nariz, abre as narinas, levanta o lábio superior. Havia cedilhas (e til), não era uma nau afundando-se no meio da frase. Isso não significou nada para a mulher. Ela não respondeu, remeteu ao silêncio as suas palavras truncadas de acentos, as suas ausências de cedilhas (e os novos códigos que elas implicam), esperando por uma resposta, qualquer, a resposta que (talvez) a fotografia possa dar às perguntas que a vida faz.
Ela chegou, muito tempo depois, e era a preto e branco – como todas as respostas. Como a da mulher: nenhuma. Não há fumo sem fogo, não há sibila sem som, mesmo que não haja çibilas (há quem diga sim). Ela disse nao facas porque ele fazia. Sempre. Se houvesse cedilhas na boca da mulher, haveria sobretudo repetição. Ele estava farta, cansada, da mesma provocação, a incessante introdução de novas variantes de um mesmo problema decifrado já pela ciência. Apetecia dizer facas, mesmo que faças fosse a solução. Ele continuava a fazer, como se não fosse.
(esta parte é fic-são)


















































Na leitura desta mesma frase, aqui, aquele que lê estará possivelmente possesso: não há razões para isso. Aquele que lê tem uma couraça que lhe permite saltar as cedilhas e os acentos, porque já sabe que lá estão. Na ausência. Por isso, aquele que lê, não leu facas, não leu o sangue dissipado sobre o indecente leito, não leu as naifas a sair o cabedal do homem que matou (o cavalo de) Liberty Valance, não leu os punhais de madrepérola no armário ao lado da carabina de caça à perdiz, não leu a lâmina da barba espessa de Orson Welles, nem a do bigode incipiente de Dostoiévski, não leu um grito de revolta com o som das cacacatanas a sair da boca, não leu os cogumelos estraçalhados na tábua de uma cozinha na China, nem o fio cortante a entrar lentamente na superfície tenra do bife ontem ao jantar, nem o raspador da pele da batata e o seu ruído fininho como o chiar da bicicleta lá fora.























































Aquele que lê sabe que há aqui alguma razão, mesmo que aqui não haja cedilhas. Aquele que lê partilha os segredos dessa sabedoria vã que é saber ler sem assentos, na interminável fila das finanças, do expresso das sete, da segurança social. De pé, mesmo com kataratas nos olhos. Saber ler de trás para a frente no retrovisor a aicnâlubma, mesmo não conseguindo escutar o seu som. Aquele que lê deixa passar, porque sabe qual a palavra que vai encontrar quando o veículo prioritário se encontrar à sua frente. E vai sorrir, no reconhecimento idiota da sua própria capacidade de ler td o k lhe puserem à frente, com conotações adjacentes.













































Por isso, quando ele disse “o quê?” (aquele que não lê), já se sabia a resposta. Não, não havia ponto de exclamação, de interrogação, não havia reticências, não havia travessão, a frase, a vida, a respiração do corpo quente não continuava na linha seguinte, na rua atrás daquela janela, na próxima estação. Podia nem ter ponto final, podia não ter til e isso podia estar escrito com cedilha (mas não está). São dois ss sibilantes, ciciam, ao sentir a suave ponta língua contra o interior dos dentes, ciosos de cedilhas, foi por isso que eu disse
Maria David, Liverpool, 8 de Novembro 2007

domingo, novembro 18, 2007

# DESPEDIDA DO OUTONO #

O frio não a incomoda. Acredita que as estrelas são mais poderosas do que o sol e que o sangue é vermelho por alguma razão. Com um sorriso, diz aos amigos que o tempo é uma invenção criada pelos homens para regular os relógios pelos tempos que nunca existiram. O frio não é um estado de espírito, não tem a veleidade de lhe conduzir os dias. Só o corpo ressente-se da temperatura porque a alma não se verga às temperaturas. Nem a chuva a faz resmungar. Acredita que os bancos de jardim existem por alguma razão. Que as árvores se riem quando as folhas são calcadas. Que os diálogos são importantes mesmo quando não se fala. O Outono acabou – ouviu na paragem do autocarro. Sim, é verdade. Isso importa? Será que as conversas se adaptam às condições climáticas? As estrelas, acredita, são fortes. Têm personalidade quando a noite cai. Seja Outono, seja Inverno. SARA DIAS OLIVEIRA






















quinta-feira, novembro 08, 2007

# BREVEMENTE IV #

# ANGEL #

Lisboa, Outubro 2007



























“As paixões são assim,irracionais.São-nos dadas por algo superior que não vemos e nos governa.Não é preciso compreender alguma coisa para a amar, não acha?Amamos Deus sem O compreender,sem sequer O termos visto.Desculpe, você e eu temos deuses diferentes, ainda que, quem sabe, a ideia não lhe seja de todo estranha.Vocês, pelo menos ,têm uma imagem Dele. Ser possuído por algo belo e irrenunciável.Eu tenho reflectido muito sobre esta estranha condição.É maravilhoso e, por vezes , também aterradora.”

Santiago Gamboa
A SÍNDROME DE ULISSES

# África #

















África raspa cá dentro
Por que é que fotografa?
“Primeiro porque a minha profissão é fotógrafo, adoro fotografar. Quando pego na minha câmara e vou trabalhar é de manhã à noite. É um prazer fotografar. Já levo trinta e tal anos a fotografar e ainda não encontrei um dia no meu trabalho que não fiz com prazer. Em segundo lugar, é a minha forma de vida é o que eu sei fazer. Enquanto tiver prazer vou continuar. Para mim não há limite de tempo ou de idade. Aliás, isso é uma característica de muitos fotógrafos. Em 2002, quando cheguei ao México à casa de Don Manuel Álvarez Bravo [mestre da fotografia do séc. XX que morreu nesse ano] para comemorar o seu 100º aniversário, ele disse-me: “Sebastião! Tenho de te mostrar as minhas últimas fotografias!”. E eu perguntei: “Mas, Don Manuel, você ainda fotografa?”. E ele respondeu: “Sim, claro!”. E quando vi as fotografias eram dos pés dele. Don Manuel já não podia andar. Eram uns pés machucados e ele fotografava esses pés o dia inteiro. Essa é uma característica dos fotógrafos, são pessoas que normalmente vivem muito no mundo deles. Desligam-se de outras coisas e fotografam até ao fim. Tive um amigo que morreu agora em Paris com 94 anos e ainda fotografava. É uma forma de vida”.

Sebastião Salgado, em entrevista a Sérgio B. Gomes no suplemento Ípsilon 02.11.2007 do Jornal Público

terça-feira, outubro 23, 2007

#NUNCA MAIS#



A prisão vai ao teatro
NUNCA MAIS de Fernando Moreira e encenação de Luisa Pinto
Matosinhos, Edifício dos Paços do ConcelhoGaleria Nave.
De 23 de Outubro a dia 28.(Com excepção de Sexta-feira, dia 26) às 21h30.

sábado, outubro 13, 2007

# SERIE I .fim #

Lisboa,07 de Outubro,2007














.fim


Enxergar é um verbo molhado. Com os olhos muito abertos é díficil ver através das lágrimas de vidro. Hoje, com o clarão reflectido no cimento, pensei ter vislumbrado a presença dela, correndo para o outro lado da rua, desaparecendo na escuridão. Tinha aquele lenço de seda com flores pequeninas vermelhas e murchas – eu vi, pela frincha da porta, quando lhe puseste as mãos à volta do pescoço, no beijo da morte, o batom esborratado do lado esquerdo, a máscara a cair em pedaços de louça preta pelas faces desfeitas em barro. Finalmente, a chuva. Juro que a luz me feria os olhos, mas só hoje eu sei ver com claridade o que me cegou.

Ontem. Pus o quadro de flores na parede da sala. Vermelhas por fora, laranja por dentro, o mesmo laranja da tangerina podre varejada por mosquinhas irritantes na mesa da cozinha. Não limpo. Juro que não vou limpar. Sei que as mosquinhas atómicas se vão multiplicar e infectar a última banana que nasceu verde. Até agora, a pinta da banana não é visível a olho nu, mas os ombros, os pés, os joelhos dela são. Não deito fora. Juro que não – o cheiro há-de fazer-me acordar. Ao fim de alguns dias, tudo estará já podre, a banana verde estará preta, o quadro laranja partido, e a tangerina coberta de pó branco do bolor. Vejo as pintinhas espalharem-se lentamente pela pele da banana, vejo as dobras ganhando sombras como rugas, e uma pinta a transformar-se numa mancha de óleo.

Anteontem. A subir escadas até ao infinito desde domingo. Dezassete andares para cima, às escuras, e tremem as pernas porque haverá algures baratas do lado de lá do corrimão. Quando se desce, parece um mergulho no vazio, corre-se, mas não se chega. É aterrar num corredor com uma parede transparente e não ter uma chave. Dezassete andares para cima: camisas suadas, pingando as gotas da chuva que não cai há dias. Ar quente, humidade relativa aos pulmões de cada um. Sonhava com bolas de sabão. (ela disse que água, há sempre!). Acendi a vela madura (ela disse que, agora, a luz nunca faltava), e já não havia duas sombras na sala.

Domingo, comprei-te um quadro de flores. É difícil ver o tempo passar. (ele disse que as flores eram bonitas). Eu sei que os dezassete andares custam, eu sei o que é sonhar com escadas de centro comercial. (ela disse-me que o elevador nunca avariava). Mas cá em cima ainda há pequenas recompensas. Antes de chegares, despejei o leite no ralo, coalhado, descendo em golfadas em direcção ao solo, dezassete andares de tubo roído pelo cheiro branco da nata azeda. Antes de chegares, vi, através das janelas de vidro em retalhos rectangulares – não sei explicar, tinham uma alavanca como as portadas de madeira da casa da minha mãe – um táxi parar em frente ao prédio. Dezassete andares de olhar para baixo, longe do corrimão onde se escondem os ninhos das baratas, perto do leite derramado. Não, os olhos não ficaram molhados. Não, não era a chuva que finalmente caía. Não, não vi. Juro que não era um táxi. Era o vidro que distorcia tudo, era duplo e grosso, de um material que riscava quando se passavam as unhas, talvez fosse um plástico. Não se percebia bem, com a claridade quente batendo nas alavancas de metal e reflectindo os raios de sol, ia jurar que não vi o cabelo, o lenço, o pescoço dela. (mas ele disse que as flores eram bonitas). Enxergar é díficil com as lágrimas embutidas no vidro. Depois de subires as escadas, de beberes toda a água do púcaro com uma pedra de dezassete andares de gelo dentro e da camisa suada a anunciar a chuva que ainda está para vir, disseste que as bananas apodrecem quando se rasgam uma da outra, pelo caule.

Quinta-feira. Escolhi a tua prenda de anos. No mercado, comprei bananas, mas não havia malmequeres. Estavam murchos, queimados nas pontas, as folhas caíam, pêndulos. Por isso, trouxe geribérias. Vermelhas. Espero que durem até domingo.


M.D.
Liverpool, 8 de Outubro, 2007