sábado, abril 21, 2007

# BRANCOS ESTÚPIDOS #


PORTUGAL SACRO-PROFANO
LUGAR ONDE


Neste país sem olhos e sem boca
Hábito dos rios castanheiros costumados
país palavra húmida e translúcida
palavra tensa e densa com certa espessura
(pátria de palavra apenas tem a superfície)
Os comboios são mansos têm dorsos alvos
engolem povoados limpamente
tiram gente de aqui põem-na ali
retalham os camps congregam-se
dividem-se nas várias direcções
e os homens dão-lhes boas digestões:
cordeiros de metal ou talvez grilos
que mãe aperta ao peito os filhos ao ouvi-los?
Neste país do espaço raso do silêncio e solidão
Solidão da vidraça solidão da chuva
País natal dos barcos e do mar
Do preto como cor profissional
dos templos onde a devoção se multiplica em luzes
do natal que há no mar da póvoa de varzim
país do sino objecto inútil
única coisa a mais sobre estes dias
Aqui é que eu coisa feita de dias única razão
vou polindo o poema sensação de segurança
com a saúde de um grito ao sol
combalido tirito imito a dor
de se poder estar só e haver casas
cuidados mastigados coisas sérias
o bafo sobre o aço como vento na água
País poema homem
Matéria para mais esquecimento
do fundo deste dia solitário e triste
após as sucessivas quebras de calor
antes da morte pequena celular e muito pessoal
natural como descer da camioneta ao fim da rua
neste país sem olhos e sem boca
Eugénio de Andrade
Antologia Pessoal da Poesia PortuguesaCampos das letras

Um comentário:

o terrorista disse...

Um belo poema. Só um reparo: o poema faz parte da Antologia Pessoal de Eugénio de Andrade, mas é de autoria de outro grande poeta português, Ruy Belo. O seu a seu dono.