“Quando morrer, atira as minhas cinzas sobre o Bósforo”, costumavas dizer nas noites em que a fome dos corpos ia adiando o sono até a primeira luz romper a persiana branca do quarto. E rias, com aquele riso claro que te acontecia sempre que ficávamos assim, com tempo para sentir o tempo passar-nos pelo corpo: quente/frio, claro/escuro.
Os dois esquecidos dos outros na geografia dos lugares onde nos habituamos a vagabundear o ócio dos sábados: a circunavegação de bicicleta, a árvore onde marcámos a giz branco um hieróglifo que só nós conseguíamos decifrar, os ziguezagues pela neve onde desenhávamos os mapa-múndis que, por vezes, nos acompanhavam no revolutear dos lençóis nas noites em que a fome dos corpos ia adiando o sono até a primeira luz romper a persiana branca do quarto. “Quando morrer, atira as minhas cinzas sobre o Bósforo”, recordo-me de te ouvir rir.
Os dois esquecidos dos outros na geografia dos lugares onde nos habituamos a vagabundear o ócio dos sábados: a circunavegação de bicicleta, a árvore onde marcámos a giz branco um hieróglifo que só nós conseguíamos decifrar, os ziguezagues pela neve onde desenhávamos os mapa-múndis que, por vezes, nos acompanhavam no revolutear dos lençóis nas noites em que a fome dos corpos ia adiando o sono até a primeira luz romper a persiana branca do quarto. “Quando morrer, atira as minhas cinzas sobre o Bósforo”, recordo-me de te ouvir rir.
Mas isso era numa altura em que nos imaginávamos envelhecidos e juntos e gostávamos de brincar com a ideia de nós, a uma lareira de inverno, a tricotar exasperações e ternuras seculares: quente/frio, claro/escuro.
Hoje, meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada, a não ser este papel rasgado com o poema do Eugénio que copiaste à mão de um livro que não chegamos a comprar e que depois entoámos tantas vezes porque nos sentíamos, de facto, “no tempo dos segredos” imunes a esperas inúteis e como se todas as coisas fossem nossas, gritado assim, marcando cada sílaba co-mo-se-to-das-as-coi-sas-fo-ssem-no-ssas.
O que ficou desses dias foi a minha visão embotada dos lugares de antigamente. E eu que pensava ter esgotado o rio das lágrimas dou por mim a vagabundear o ócio dos sábados que já não é ócio é desespero que dói como sal em ferida aberta porque tu não estás e não te deste sequer ao trabalho de deixar cinzas que pudesse atirar ao Bósforo e a mim com elas porque o que me resta é este cenário de luzes que não são luzes mas sugestões alienígenas num jardim com árvores que não têm folhas mas a sugestão de algodão e neve que já não é neve mas resquícios avaros do nosso antigo delírio branco. Voltamos ao princípio?
Natália Faria
Hoje, meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada, a não ser este papel rasgado com o poema do Eugénio que copiaste à mão de um livro que não chegamos a comprar e que depois entoámos tantas vezes porque nos sentíamos, de facto, “no tempo dos segredos” imunes a esperas inúteis e como se todas as coisas fossem nossas, gritado assim, marcando cada sílaba co-mo-se-to-das-as-coi-sas-fo-ssem-no-ssas.
O que ficou desses dias foi a minha visão embotada dos lugares de antigamente. E eu que pensava ter esgotado o rio das lágrimas dou por mim a vagabundear o ócio dos sábados que já não é ócio é desespero que dói como sal em ferida aberta porque tu não estás e não te deste sequer ao trabalho de deixar cinzas que pudesse atirar ao Bósforo e a mim com elas porque o que me resta é este cenário de luzes que não são luzes mas sugestões alienígenas num jardim com árvores que não têm folhas mas a sugestão de algodão e neve que já não é neve mas resquícios avaros do nosso antigo delírio branco. Voltamos ao princípio?
Natália Faria
Um comentário:
O melhor percurso dos últimos tempos (^_^)
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