quinta-feira, agosto 04, 2011

# Dentro para Fora #

01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
Como se fosse sábado ou uma maravilha semelhante, fizemos as malas. Guardámos o que sobrava da praça deserta e fechámos as janelas. Havia um silêncio redondo de verão e até os insectos pareciam abafar a existência no calor.
Não fosse a pressa e poderíamos ter-nos suspendido, ficando a dormir por dentro da tarde, sobre o tarde que se faria. Talvez o amor uma última vez, mais uma vez. Mas tínhamos de ir, tinha de ser, tínhamos de ser. E fomos.
Assim atravessámos corredores e canais de tantos dias: são as marés do sangue, que nos chegam perto mas não acorrem a molhar-nos. E ao chegarmos perto, a língua era já diferente, feita de mais silêncios e consoantes ásperas. As palavras quase todas mais curtas, atiradas de um sopro e interrompidas de forma seca como objectos mal acabados, deixando algumas vogais, subtis, a insinuar-se no coração das frases. O bastante enfim para despertar a ternura.
Por isso partimos de novo.
Foi um tiro, dizem, mas não é verdade: foi um golpe de luz que nos moldou a pele ao nada, uma espécie de pensamento muito forte mesmo antes do fim.

Nuno Casimiro

Nenhum comentário: