sexta-feira, outubro 13, 2006

# Falta...II #


























A terra é seca, árida, inóspita. Às vezes parece quase estéril, percorrida pelas miragens que o calor a pique, inclemente, ergue do chão tórrido. Surpreendem-nos os vultos que despontam na paisagem, como se surgidos de lugar nenhum, a caminho do nada. Vão à água, procurar água, carregar água às costas e à cabeça, em carinhos de mão, em bidões e garrafões.
Quase nunca chove em Cabo Verde, o país das a-secas. A tchuba é uma dádiva incerta que cai do céu. Mas não se pode contar com ela. É preciso acordar cedo, percorrer os caminhos a pé, esperar ao sol em filas pela vez de ter acesso aos fontenários de abastecimento público. E depois voltar pelo mesmo trilho, mais pesados, subindo e descendo arribas, trepando montanhas.
Cabo Verde são dez ilhas: um país. Dez pedaços de terra seca onde tudo depende do trabalho que se faça, da água que se carregue, dos caminhos que se percorra. É um país que afasta os seus filhos, que os manda ir procurar riqueza em outras paragens. Mais de metade dos cabo-verdianos mora em outros países – onde seja mais fácil viver. Os que ficam, porém, sabem que desde meninos têm que aprender a arte de procurar a água, carregá-la, poupá-la. Vão pelos montes de Santiago, pelo chão estiolado do Sal, pelas veredas inóspitas de Soncente. Andam e andam e andam. E ninguém sorri como eles.


Manuel Jorge Marmelo

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