quarta-feira, novembro 30, 2011

#Estamos a Recuperar #

HH_
A memória dos dias felizes havia-se transformado num ponto distante incapaz de ser invocado. E isso era bom. Não queria lembrar os dias felizes - aquele sorriso subtil do chegar a casa, do ter onde chegar. Por isso, a memória esbatida era boa. E a falta de esperanças não era mais do que mais uma falta no meio de tudo o que lhe faltava. A esperança caia-lhe. E, não a tendo, era isso tudo o que tinha. Aquela ponta de força não permanente no meio do nada, no meio do frio e das noites. Permanentes.
Deitou-se ali para que o notassem. Deitou-se ali para que notassem ao menos o letreiro - Estamos a recuperar o património da Baixa. No meio das noites (permanentes) só tinha de rodar a cabeça e ler. Estamos a recuperar... Era como uma força a subir-lhe pelo corpo, como se, por estar ali, pudesse recuperar.
Tinham havido dias normais - do levantar de manhã, do trabalho, do regressar. E agora aquilo - não mais normalidade naquela vida, naquela coisa a que não se atrevia a chamar vida. Naquela coisa. Sentia que não havia já nada a perder e que o património era coisa que não lhe dizia respeito. Mas, à noite, no meio dos sonhos, o letreiro parecia-lhe luminoso - o letreiro era a ponta de força no meio do nada. Já não pedia a mão (e a mão era tudo o que sonhava) nem os olhares não-indiferentes. Sabia que as cidades são como as selvas, onde a luta pela sobrevivência é o que conta no final. Sabia que a selva era a casa dele. Mas se ao menos alguém questionasse: Estamos a recuperar o património da Baixa?
Mariana Correia Pinto

Nenhum comentário: